Parceiros
ansiosos e irritáveis, com foco no imediato e que sofrem com seus atos
impulsivos. Um ciclo que passa pela depressão de maneira prolongada, pela culpa
projetada em terceiros e finalmente na reincidência do mesmo tipo de
comportamento. Esse tipo de rotina pode ser indício do transtorno bipolar, mas
na grande maioria das vezes é difícil de ser diagnosticado.
Ao
contrário da ideia geral de que os indivíduos bipolares convivem apenas com
picos de irritabilidade e depressão, o transtorno pode muitas vezes passar
despercebido e ser considerado característica da personalidade. O que poucas
pessoas sabem é que o transtorno bipolar pode ter ciclos curtos – até mesmo
diários – e que os sintomas não necessariamente são distintos: hipomanias,
irritabilidade, ansiedade e depressão podem conviver conjuntamente, o que
dificulta até mesmo o trabalho dos profissionais de saúde mental para
identificar o problema.
“É bom ter em mente que o
transtorno bipolar pode ser dividido em dois tipos: o tipo I, que é o mais
raro, e onde os ciclos são bastante nítidos e em determinado momento os
cônjuges, amigos ou familiares acabam indicando o tratamento para o indivíduo”,
explica Doris Hupfeld Moreno, médica psiquiatra, especialista do Instituto de
Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora ligada ao
Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (Gruda) no mesmo instituto.
“Já o que chamamos de tipo II é
mais leve nos períodos mais ativos e acelerados – ou euforias – que
caracterizam as hipomanias. À diferença da depressão, não são percebidas como
problemáticas – pelo contrário, a pessoa acha que está muito bem –, e nem
sempre são facilmente identificado por pessoas próximas. Frequentemente são
tidas como ‘da pessoa’, ou seja, fazendo parte da personalidade dela e,
portanto, normal”, completa. Vale ter em mente que as depressões
nos tipos I ou II são igualmente leves, moderadas ou graves e são o tipo de
episódio que mais predomina durante a vida.
De acordo
com a pesquisadora, nos indivíduos com transtorno bipolar os sintomas de ambos
os polos podem ser superpostos, – aceleração com ativação e depressão
combinadas, por exemplo, podem gerar um sentimento de desespero, angústia e
desassossego – e mesmo os estados de hipomania podem se traduzir em
impulsividade aumentada para compras, libido, ou ficar obstinado com alguém ou
alguma coisa, pensando demais naquilo, sem sair da cabeça, com atitudes
compulsivas. Isso tudo muitas vezes é visto pelas outras pessoas, incluindo
cônjuges, como “pequenas manias”, e por definição, não trazem consequências
significativas. Se houver grande impacto na vida, trata-se de mania e não mais
de hipomania.
“Mas se
entendermos que essas pessoas, na verdade, estão vivendo com uma percepção
alterada da realidade, é possível que percebamos onde está o perigo disso tudo.
Os indivíduos bipolares acabam convivendo com esse atropelo de pensamentos.
Estão sempre acelerados – seja focando as coisas de uma forma muito positiva ou
muito negativa – e são impulsivos nas suas atitudes. Pensamentos grandiosos
fazem parte do quadro clínico e acabam muitas vezes achando que sempre têm razão,
são mais inteligentes, são melhores, etc, e se imaginam superiores em alguns ou
muitos aspectos, aponta Doris Hupfeld.
Nesse
ponto, diz a especialista, é difícil até mesmo convencer esses indivíduos a
procurarem ajuda, pois eles também justificam suas atitudes de forma bastante
lógica. E como as alterações entre os humores podem ser rápidas – acordar com
sentimentos depressivos e ter dificuldades para dormir por não conseguir
desligar dos pensamentos ou sempre encontrar nova atividade, por exemplo – tanto
os amigos como os parceiros não conseguem definir exatamente o que acontece.
Fato é, que
geralmente ocorre uma irritabilidade, uma impaciência, uma pressa – o chamado
“pavio-curto” – que costuma não ser identificado pelo paciente e que gera um
desgaste contínuo. O parceiro não sabe como encontrará o paciente, se querendo
se isolar, cansado e desanimado, se de bem com a vida ou dificultando tudo e
encrencando com detalhes, ou ainda estourando. O pior é que o bipolar sempre
responsabiliza outros ou condições da vida pelos que lhe acontece.
“Esse otimismo exagerado, esse
efeito de ter ideias novas o tempo todo – e de ter resolvido algum problema de
forma melhor que os outros – também são acompanhados pelo hábito de achar que a
culpa por uma determinada falha nos seus planos foi devido a erros de
terceiros: alguém errou, o mercado não estava preparado para a qualidade de
determinado serviço, a crise econômica aconteceu. Nunca é culpa dele”,
afirma a psiquiatra e pesquisadora.
Desgaste - Mas esse
tipo de oscilação causada pelo transtorno leva a um desgaste. Em especial ao
desgaste da relação com o cônjuge. Se em algum momento esse comportamento é
visto como algo da personalidade da pessoa, aos poucos os ciclos se tornam
claros. Mas pode acontecer o contrário – inicialmente os ciclos serem espaçados
e bem definidos e com o passar dos anos se tornarem mais constantes e
contínuos.
As obstinações, antes vistas como sinônimo de determinação,
tornam-se claramente desproporcionais. O sentimento de perseguição e de
desconfiança – que muitas vezes acompanham o transtorno – costumam se refletir
na família do parceiro ou parceira. Círculos de amizade podem ficar comprometidos
e o isolamento social, em determinados períodos, pode trazer grande sofrimento.
“Esse comportamento é comum a todos os
bipolares: a sensibilidade exagerada aos acontecimentos, ao estresse, ao que se
diz e à opinião alheia e, consequentemente, ao isolamento.”
É nesse ponto que as “pequenas manias” se mostram
incapacitantes. “A hipomania pode, claro, se
refletir em outros tipos de comportamento que parecem saudáveis, como
obstinação por exercícios físicos ou então, como dissemos, compras. Mas existem
outros tipos de comportamentos que trazem grande sofrimento. Da mesma forma que
os humores se alteram, a libido também pode ficar aumentada. Isso pode levar a
traições ou comportamento sexual de risco, por exemplo”,
exemplifica Doris Hupfeld.
Outro comportamento que leva a grandes sofrimentos para a
relação é o abuso de álcool e drogas. “Essas
pessoas com transtorno bipolar acabam usando o álcool e as drogas como um meio
de ‘se soltarem’, encontrar a descontração no meio de uma alteração negativa do
humor. Mas o polo inverso é a euforia ou mesmo comportamentos violentos,
irritabilidade”, pontua a especialista.
Tratamento - O início do
tratamento desses indivíduos se dá, usualmente, quando os sintomas da depressão
são preponderantes. Durante o período de hipomania, o trabalho de convencimento
é mais complicado.
“Um cônjuge, para tentar
convencer o parceiro a iniciar o tratamento, tem de passar por um processo
longo e muitas vezes fazer um trabalho de aproximação de profissional e
paciente. E mantê-los em tratamento também é complicado, pois ao menor sinal de
melhora, eles podem abandonar o tratamento”, afirma Doris.
A
especialista lembra também que quando se fala de tratamento, duas questões são
especialmente complicadas. Primeiro, quando a visita ao psicólogo ou psiquiatra
se inicia no período depressivo, muitas vezes o quadro de transtorno bipolar
não é identificado. Isso pode levar a tratamentos medicamentosos baseados em
antidepressivos. Esse tipo de confusão acaba levando a quadros de euforia ou
grave irritabilidade. Por isso é preciso muita atenção.
Uma segunda
questão levantada pela especialista e pesquisadora é sobre a interrupção do
tratamento para o transtorno bipolar de forma muito brusca, por abandono do
paciente ou por condições como a gravidez.
“Observamos
também que muitos pacientes que passam por esse período de mania ou hipomania
muitas vezes demonstram uma perda da sensibilidade e de sentimentos, uma
superficialidade e frieza nas relações antes amorosas e de carinho. Há um
distanciamento interior, por mais que os sentimentos exagerados e patológicos
estejam à flor da pele. Precisa ficar claro que os sintomas levam a uma perda
de liberdade intensos, pois eles são determinados pela doença, não mais pela
sua vontade”, explica Doris Hupfeld.
A surpresa fica por conta do contraste desse tipo de
comportamento com a ideia geral de que o tratamento medicamentoso é que poderia
“mudar a personalidade”. “A
medicação não muda a personalidade de ninguém. Ela ajuda as pessoas a deixarem
de pensar de modo distorcido, por meio de uma lógica alterada pelo transtorno.
É comum os pacientes reavaliarem seus comportamentos após algum tempo do início
das consultas à medida que os medicamentos fazem efeito, e passarem a agir de
forma mais centrada”, explica a psiquiatra.
O perigo,
então, estaria em interromper um processo que ajuda no equilíbrio do indivíduo,
pois isso poderia contribuir para que o transtorno tome outros contornos e que
o tratamento, que já é um processo difícil de ser iniciado, se torne ainda mais
distante do paciente e que possa trazer mais sofrimento para o cônjuge e para
sua família.
Fonte: http://mulherbipolar.blogspot.com.br/2011/01/transtorno-bipolar-um-problema-que.html